maio 21, 2009

Arlindo Gonçalves – A escrita da imagem

Posted in Arlindo Gonçalves, Literatura tagged às 2:11 am por perfilliterario

Foto de Gonçalves sobre São Paulo

Foto de Gonçalves sobre São Paulo

Escritor e fotógrafo, Arlindo Gonçalves gosta de São Paulo, especialmente do Centro Velho da cidade, ao qual dedica grande parte do seu trabalho. Em 2004, publicou Dores de perdas; em 2005, Desonrados e outros contos; e, em 2008, Desacelerada mecânica cotidiana.

Entre seus temas principais, estão o cotidiano, os anônimos e o espaço urbano. De onde sai a matéria-prima do seu trabalho?
Gonçalves: Minha matéria-prima é o cotidiano. Como também sou fotógrafo, os três livros têm imagens minhas, inclusive as das capas. Comecei, antes de escrever literatura, a estudar fotografia. Moro no Centro e fotografava a região aos domingos. Construí uma maneira de olhar a cidade que tem muito mais a ver com a literatura do que com a pintura. É feita da construção de narrativas de imagens. Quando comecei a fotografar São Paulo, acompanhava as pessoas. Em dado momento, comecei a escrever. Não tenho nenhuma história romântica de como comecei a fotografar nem de como comecei a escrever. Tem autores que sabem desde criança o que vão ser, aquela coisa meio poética. Comigo foi muito tranqüilo. Passei a fotografar com a minha namorada, Luciana Fátima, que também é escritora, fotógrafa e parceira em um projeto de fotografia chamado Diálogos com a cidade. Direcionamos o nosso trabalho para imagens urbanas, especificamente de São Paulo. Um dos trabalhos que mais me influenciou para a literatura foi um ensaio fotográfico sobre o elevado Costa e Silva, o Minhocão. Ficamos quatro anos fotografando o local durante os finais de semana. Muitas fotos dos livros são desse trabalho. Tínhamos as imagens e muitas delas, depois de prontas, foram expostas no Shopping Light e no próprio Minhocão, aos domingos, a pedido da Secretaria de Esportes da cidade. Nelas, a literatura tem tudo a ver com fotografia. Comecei a construir minha interpretação sobre as cenas, sobre uma pessoa que estava passando ali, uma sombra, a presença do concreto e o impacto da publicidade, que existia na época. Hoje com a Lei da Cidade Limpa, as propagandas não existem mais. Comecei a construir histórias visuais. Um dia, também de forma bem tranqüila, a Luciana, que fazia um curso de comunicação e começou a escrever antes de mim dentro de oficinas de construção de textos, me falou: “Por que você não escreve também? Você gosta de literatura”. Comecei a escrever. Peguei as imagens fotográficas e comecei a compor histórias baseadas nas imagens. Muitas das histórias de Desonrados, meu segundo livro, surgiram assim. Elas partem do que tem mais impacto de fotografia. Construí histórias a partir delas, como de um anúncio que me chamava a atenção.

A conexão é mais direta nesse livro?
Gonçalves: Sim. Em Desonrados, mais que nos outros dois. São histórias que falam do cotidiano. Seus protagonistas são personagens simples, pessoas humildes, anônimas da cidade. Dou a esses livros o nome de Trilogia do anonimato. Coloquei esse termo no último livro. São histórias intercaladas, não livros propriamente de contos. Dores de Perdas, o primeiro, é um livro que tem duas histórias longas que se intercalam. Desonrados são dez histórias curtas. Por um pedido da editora, foi colocado o subtítulo “ e outros contos”, mas, como menciona Nelson de Oliveira no prefácio, é mais uma novela multifacetada, intercalada. São histórias curtas que você pode ler de maneira independente, embora o aproveitamento seja maior lendo-as todas, porque elas compõem um único romance. Desacelerada mecânica cotidiana encerra essa trilogia. É composta por duas partes: “Seres e vivências”, formada de histórias curtas, e “A oração e outros apelos ruidosos”. Todos os personagens estão presentes nos três livros. São as mesmas pessoas retratadas e elas compõem uma única história. Você pode ler tranqüilamente qualquer um dos três livros isoladamente sem problemas de entendimento. O aproveitamento, porém, é sempre maior se você conhecer os três trabalhos.

Como é a seleção das imagens fotográficas que você produz?
Gonçalves:  Meus livros têm histórias pesadas. Nem sempre contemplam finais felizes. As imagens são bastante introspectivas. Tive um critério de seleção. Como, em Desonrados, falo sobre a região do Minhocão, coloquei fotografias desse assunto. Tem muita sombra. São fotos das manhãs de um dia de inverno, que tem uma sombra bonita, uma luz muito boa para trabalhar. Atualmente estou fazendo o contrário. Antes as fotografias precederam os livros. Agora estou fazendo o oposto. Já tenho um quarto livro pronto e agora estou selecionando as imagens.

Ouça a entrevista do escritor e fotógrafo